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Fev
22

Poster Clínica dos Gatos no Congresso Hospital Veterinário Montenegro

 

EVOLUÇÃO CLÍNICA DE GATO MAIN COON COM FRACTURA BILATERAL ESPONTÂNEA DA EPIFISE PROXIMAL DO FÉMUR – DO DIAGNÓSTICO À RECUPERAÇÃO CLÍNICA

 

CASO CLÍNICO

Gato com 2 anos de idade, raça Main Coon, castrado, apresentou-se à consulta com história de fraqueza dos posteriores, relutância a andar e saltar e anorexia parcial há 4 meses. Os tutores não têm a certeza de um episódio de trauma.

Ao exame físico apresentava uma condição corporal 3/9, com atrofia muscular generalizada dos 4 membros e claudicação marcada nos membros posteriores. Não foram detectadas alterações significativas nos membros posteriores na avaliação ortopédica, para além de alguma relutância e dor aos diversos movimentos e manipulação. O exame neurológico estava normal. À auscultação foi detectado um sopro grau IV/VI, bilateral, com frequência cardíaca normal e sem arritmias. Foi realizado um hemograma, painel bioquímico, ecografia abdominal e uma ecocardiografia, sendo que todos os resultados foram normais e sem alterações patológicas.

 

Foi efectuada uma Tomografia Axial Computadorizada (TAC), sendo de-tectada uma fractura da epífise proximal da cabeça do fémur, bilateral, com um deslocamento da metáfise em relação à epifíse proximal do fémur e com sinais de reabsorção óssea do colo femoral (Figura 1,2,3,4).

Fig.1

Fig. 2

Fig.3

Fig.4

 

 

O animal foi submetido a uma ressecção da cabeça e colo do fémur nos dois membros, com um intervalo de um mês e meio entre cada membro.

Medicamente o pós-cirúrgico foi controlado com robenacoxib (1 mg/kg PO SID) durante 5 dias e com buprenorfina (0.02 mg/kg SL BID) durante 3 dias consecutivos.

Os produtos das ostectomias foram remetidos para análise histopatológica, após um processo de descalcificação.

 

Figura 5  – Cortes histológicos dos produtos de ostectomias. Figuras  A , B e C (50X; H&E); Figuras C, D e F (200x; H&E)

 

Histologicamente a placa epifisária apresenta-se alterada (Fig. A, B e C) demonstrando um desarranjo dos condrócitos (Fig. C, D e F) que se apresentam irregularmente distribuídos e rodeados por um estroma conjuntivo abundante (→) com focos de necrose (*).

 

EVOLUÇÃO CLÍNICA

Optou-se por realizar a ressecção da cabeça e colo do femur do membro direito baseado na informação clínica dada pelo dono de uma maior claudicação deste membro, e avaliação ortopédica do mesmo.

Após a primeira intervenção cirúrgica, o gato demonstrou uma melhoria clínica ao retomar um apetite mais normal ao fim de 3 dias. Foi tido em conta a dieta do gato, de modo a evitar um aumento súbito de peso e evitar um aumento de carga sobre o membro ainda não intervencionado.A partir do dia 6, volta a posicionar o membro no chão. Ao dia 13, voltou a saltar e a tentar retomar comportamentos de corrida, utilizando maioritariamente o membro intervencionado.

Fig.6

A nível radiográfico são observadas alterações compatíveis com uma separação e eventual deslocamento da metáfise em relação à epífise da cabeça do fémur. Existem regiões de radiolucência no colo femoral associadas a focos de osteólise e reabsorção óssea no membro posterior esquerdo [(→)Fig. 6].

Após 6 semanas foi intervencionado o membro posterior esquerdo

Fig.7

Após a segunda intervenção, logo ao 3º dia tentou saltar e voltar aos comportamentos normais de locomoção, antes de ter os sinais clínicos. Os tutores mencionam uma melhoria no bem estardo gato ao ver sinais tais como grooming, ronronar, mais apetite e um maior tempo dispendido com os tu-tores.

Destaca-se a melhoria/recuperação imediata da atividade locomotora (salto, corrida, levantar sem dificuldade) após a segunda cirurgia.

 

DISCUSSAO

As fraturas espontâneas da epífise proximal da cabeça do fémur, ou em inglês, Slipped capital Femoral Ephysis (SCFE), normalmente não são associadas a traumas. Encontram-se pouco descritas em gatos, no entanto tem uma apresentação semelhante ao que já se encontra descrito em humanos.1,2 Diversas etiologias foram sugeridas desde necrose avascular, osteomielite, alterações endócrinas ou genéticas.1–4

A etiopatogenia da SCFE ainda não se encontra totalmente esclarecida. Trata-se de uma alteração nas placas epifisárias, devido a uma displasia primária ou a um encerramento tardio das mesmas.5-7

Estas fraturas foram inicialmente descritas como uma osteopatia da metáfise do cólo do fémur, derivada de uma necrose asséptica, semelhante à doença de Legg-Calve-Perthes descrita em cães. 5 No entanto, as alterações radiográficas e histológicas apontam para alterações de reabsorção e remodelação óssea, secundárias a uma fractura de Salter Harris Tipo I, do que propriamente a um processo de isquémia óssea. 5

Nos gatos a epífise proximal da cabeça do fémur é diretamente irrigada por um vaso que vem do ligamento redondo, motivo pelo qual a necrose asséptica da cabeça do fémur não se encontra nesta espécie. 5, 6, 7

Nos animais de companhia a irrigação da cabeça do fémur depende de um plexo arterial formado sobre a superficie articular da cabeça do fémur, envolvendo a mesma. 6, 7 Este plexo é formado pelas arterias femorais circumflexas lateral e medial, pela arterial gluteal caudal e pela arteria ileolombar.7 Nos gatos a epifise proximal da cabeça do femur é directamente irrigada por um vaso que vem do ligamento redondo, e uma combinação de vasos intraosseos provenientes da arterial nutricional/intraossea directamente à metafise, motivo pelo qual a necrose asséptica da cabeça do fémur não se encontra descrita em gatos. 5, 6, 7

O encerramento das placas epifisárias depende de diversos fatores como a espécie, o local anatómico, dieta e atividade hormonal, destacando a hormona de crescimento, a insulina, hormonas da tiroide e hormonas sexuais. 2,4,8

Os tempos normais de encerramento das placas de crescimento da cabeça do fémur, do fémur distal e da tibia proximal são de 30-44 semanas, 54-76 semanas e 50-76 semanas, respectivamente. 2,6

Diversos estudos demonstraram que a castração, numa idade jovem e antes da puberdade, atrasa o encerramento das placas. 2,4,7,8,9

Histologicamente, a placa de crescimento demonstra uma desorganização dos condrócitos com envolvimento de abundante estroma conjuntivo, em vez da sua disposição linear. Também apresenta uma separação das placas com o dobro do tamanho normal e com eventuais focos de necrose a nível da metáfise próximal do fémur. 1–3, 8, 9

Alguns autores mencionam esta condição como uma displasia primária das placas de crescimento, que pode dar origem a uma fractura da epífise proximal do fémur e que a remodelação óssea será secundá-ria a esta. 6,8 Outros autores sugerem que será uma osteopatia das metáfises por si, ou que esta ocorra como um processo crónico da SCFE. 7, 9

Algus animais com SCFE apresenta abertura das restantes placas de crescimento. 1,2, 6,9,10 Mais estudos serão precisos para determinar se a SCFE é uma consequência de um disturbio generalizado nas placas de crescimento ou se está apenas relacionada com a epifise proximal do fémur.3

Os animais que se apresentam à consulta são jovens (média entre 16 e 22 meses) que exibem diversas placas de crescimento abertas. A apresentação mais comum é em animais castrados, com excesso de peso e sem história prévia de trauma.1–3, 7, 8

Esta condição já foi descrita em diversas raças, sendo que há uma maior representação no Doméstico de Pêlo Curto, Siamês e Main Coon. 3, 8

Na maioria das descrições de SCFE, o diagnóstico é feito a partir da história clínica, exame ortopédico, alterações radiográficas e histopatologia. 1–4,6,7,8

Neste caso optamos por efectuar uma TAC para permitir um diagnóstico com maior sensibilidade, face à cronicidade e gravidade do quadro clínico. É o primeiro caso descrito em que o diagnóstico foi feito primeiramente através de uma TAC.

Radiograficamente são observadas alterações compatíveis com uma separação e deslocamento da epífise em relação à metáfise do colo do fémur, semelhante a uma fractura Salter-Harris Tipo I, com regiões de radiolucência no colo da cabeça do fémur associadas a focos de osteólise e reabsorção óssea. Tipicamente tem uma apresentação bilateral. 2,4–8,11,12

A projecção de eleição consiste num posicionamento ventro-dorsal e numa colocação dos membros posteriores numa forma de “sapo”. Deste modo é possível observar a região de fractura e o “deslizamento” da epifise da cabeça do fémur sobre a metáfise proximal, que na tipica projecção ventro-dorsal, devido ao esticar dos membros posteriores, pode reduzir a fractura omitindo a mesma (principalmente nos casos mais precoces de SCFE). 2,6,12

O tratamento recomendado é cirúrgico e consiste numa ressecção da cabeça e colo do fémur. 3,5,13,10

A SCFE deve ser considerada como diagnóstico diferencial importante em machos jovens, castrados, Main Coon, com fraqueza/claudicação dos posteriores, apesar da sua etiologia ainda indeterminada.3,4

Mais estudos terão de ser realizados a fim de verificar se temos poucos casos descritos devido a uma baixa incidência da condição ou a um sub-diagnóstico. Será também importante avaliar que factores contribuem para esta condição, tais como fatores genéticos, e avaliar a idade ideal para a castração .

Bibliografia:

  1. Craig, L. E. Physeal Dysplasia with Slipped Capital Femoral Epiphysis in 13 Cats. Vet. Pathol. 38, 92–97 (2001).
  2. McNicholas, W. T. et al. Spontaneous femoral capital physeal fractures in adult cats: 26 cases (1996-2001). J. Am. Vet. Med. Assoc. 221, 1731–6 (2002).
  3. Borak, D., Wunderlin, N., Brückner, M., Schwarz, G. & Klang, A. Slipped capital femoral epiphysis in 17 Maine Coon cats. J. Feline Med. Surg. 19, 13–20 (2017).
  4. Perry, K. L., Fordham, A. & Arthurs, G. I. Effect of neutering and breed on femoral and tibial physeal closure times in male and female domestic cats. J. Feline Med. Surg. 16, 149–156 (2014).
  5. Little, S. The Cat – Clinical Medicine and Management. The Cat (Elsevier Ltd, 2012). doi:10.1016/B978-1-4377-0660-4.00001-6
  6. Grayton, J., Allen, P. and Biller, D. Case report: Proximal Femoral Physeal Dysplasia in a Cat and a Review of the Literature. Isr. J. Vet. Med.  69, (2014).
  7. Lafuente, P. Young, Male Neutered, Obese, Lame? J. Feline Med. Surg. 13, 498–507 (2011).
  8. Schwartz, G. Spontaneous capital femoral physeal fracture in a cat. CVJ 54, (2013).
  9. Burke, J. Physeal dysplasia with slipped capital femoral epiphysis in a cat. Can. Vet. J. = La Rev. Vet. Can. 44, 238–9 (2003).
  10. Newton, A. L. & Craig, L. E. Multicentric Physeal Dysplasia in Two Cats. Vet Pathol 43, 388–390 (2006).
  11. Root, M. V., Johnston, S. D. & Olson, P. N. The effect of prepuberal and postpuberal gonadectomy on radial physeal closure in male and female domestic cats. Vet. Radiol. Ultrasound 38, 42–47 (1997).
  12. Rahal, S. C. et al. Clinical outcome and gait analysis of a cat with bilateral slipped capital femoral epiphysis following bilateral ostectomy of the femoral head and neck. doi:10.1080/01652176.2015.1110642
  13. Yap, F. W. et al. Femoral head and neck excision in cats: medium- to long-term functional outcome in 18 cats. J. Feline Med. Surg. 17, 704–710 (2015).